domingo, 26 de outubro de 2014 | By: Albicastelhano

Castelo de Castelo Branco (1979–1984 e 2000): síntese dos trabalhos arqueológicos desenvolvidos e principais conclusões II

2. Arqueologia no Castelo de Castelo Branco2

Apesar de vários autores afirmarem que a fixação humana no local terá origem romana ou
mesmo anterior, são poucos os dados concretos que confirmem esse facto, embora ao longo do
século XX tenham sido recolhidos diversos materiais dispersos e descontextualizados, alguns deles
dentro daquelas cronologias, na área do monumento e em seu redor (Garcia, 1979, pp. 99–100;



Ponte, 1986, pp. 37–38; Simões, 1986, pp. 150–151; Leitão, 1994, p. 27). Esta situação altera‑se
a
partir do final da década de 70.
Em Fevereiro de 1979, um violento temporal provocou um aluimento de terras na estrada turística
do castelo, em pleno adro da Igreja de Santa Maria do Castelo, dificultando a passagem dos carros
e colocando à vista diversos materiais arqueológicos. Para evitar o saque dos materiais entretanto
expostos (Martins, 1979b), a edilidade, na presença de um funcionário do Museu Francisco Tavares
Proença Júnior, levou a cabo uma limpeza superficial da área, aterrando‑a
depois, até estarem reunidas
as condições para eventuais trabalhos arqueológicos3. Foram recolhidas então três estelas
funerárias e cerca de três dezenas de numismas4.
Entretanto, o professor João Henriques Ribeiro, à época director da Casa da Cultura, entrou
com um pedido de autorização para levar a cabo uma intervenção arqueológica no local, que após
ultrapassadas algumas questões logísticas, se iniciou em Setembro daquele ano, concentrando‑se
na área do aluimento (Q. 118). Além desta sondagem de diagnóstico, esta primeira campanha serviu
igualmente de preparação para as seguintes. O adro da Igreja de Santa Maria foi dividido em três
sectores (A, B e C), onde os trabalhos se foram desenvolvendo progressivamente.
No sector A, que compreendia a área em frente à fachada principal da igreja, ao redor do campanário
e ao longo daquela foram colocados à vista diversos vestígios de uma calçada. Após a sua
remoção identificaram‑se
vários restos de muros que poderão ter sido das fundações de anteriores
edifícios aqui existentes. Encostado a um deles encontrava‑se
um elemento arquitectónico decorado,
de grande dimensão, que poderá ter integrado alguma das estruturas anteriores, tendo sido
depois reutilizado noutro local. Por seu lado, o campanário, construído em meados do século XIX,
foi erguido sobre enchimento pétreo não argamassado.
A área a sudoeste da igreja, ao longo da sua fachada lateral, foi designada como sector B.
O espaço encontra‑se
ocupado por sepulturas antropomórficas escavadas na rocha, afectadas na
sua maioria pelas raízes das árvores entretanto plantadas no local. A partir da porta lateral da igreja
estava um troço de calçada que se cruzava com um outro que corre ao longo da necrópole, paralelo
ao edifício, desde a actual sacristia até à fachada principal. A sul desta calçada fica a estrada de circulação
na zona do castelo, onde se verificou o aluimento.
Por fim, todo o espaço a sul daqueles correspondia ao sector C, ajardinado, no qual foram
abertas três valas de sondagens para avaliar o seu potencial arqueológico. Tendo‑se
considerado que
aquele era diminuto, apesar de alguns vestígios de negativos de muros argamassados, foi então
excluído da área em análise no decorrer da campanha de 1980. Numa dessas sondagens, no corte,
foram identificados cinco estratos.
Do ponto de vista estratigráfico, nos outros sectores encontraram‑se
quatro realidades distintas.
Sobre a calçada da estrada existente no local do aluimento, foi colocada à vista uma camada de
terra castanha, remexida, com cerca de 10 cm de espessura, idêntica à existente no jardim em redor.
Na camada seguinte, arenosa, começaram a surgir os primeiros restos osteológicos desconexos e
muito fragmentados, talvez em consequência da terraplanagem feita no local para a abertura da
estrada. Existiam também algumas bolsas, de pequena dimensão, de areia mais fina. Até ao afloramento,
a 1,20 m de profundidade em praticamente toda a estação, foram contabilizadas outras
duas camadas, ao que tudo indica invioladas, que apresentavam diversos vestígios osteológicos
associados a alfinetes, pregos e cerâmicas.
Esta situação era frequente em quase todo o sector B, excepto ao longo da fachada da igreja e
no local do aluimento. No primeiro caso, após a camada superficial, existia uma outra, de terra
batida, imediatamente sobre o afloramento, selando as sepulturas aí escavadas. Nela foram identificadas
várias bolsas de terra mais escura, que foram interpretadas como negativos de árvores entretanto
retiradas.
No local do aluimento, o afloramento encontra‑se
cortado em ângulo recto e escavado vários
metros, para a instalação ou construção de algo de que não foi possível identificar função. A potência
estratigráfica encontrada e da qual não existem praticamente referências, rondou os 10 m de
profundidade. Foi neste local que se recolheram a maioria dos materiais arqueológicos em análise.
O sector A encontrava‑se
muito remexido do ponto de vista estratigráfico.
Após um parecer emitido por um responsável da tutela que se deslocou ao local, a área foi
aterrada e os trabalhos suspensos por falta de meios técnicos e financeiros5.
Os materiais recolhidos integraram as colecções do Museu Francisco Tavares Proença Júnior,
tendo as peças mais frágeis sido alvo de restauro no Instituto José de Figueiredo e no Laboratório
do Museu Monográfico de Conímbriga. Nos anos subsequentes foram dados à estampa alguns
artigos sobre os trabalhos desenvolvidos, onde se dava conta dos resultados preliminares (Ribeiro,
1984, 1985, 1987), de certa forma compilados em publicação recente sobre o Jardim do Paço Episcopal
(Ribeiro & Azevedo, 2001, pp. 15–47)6.
Em 2000, no âmbito da construção de um depósito de água, por parte da autarquia, na encosta
oeste da colina do castelo, no perímetro daquele, foram identificados diversos vestígios arqueológicos.
A intervenção de emergência, que teve lugar após o desaterro do local, limitou‑se
ao espaço de
afectação da obra: 48 m2.
Foram colocadas à vista as fundações e o derrube de um muro que poderá corresponder à
muralha do castelo ou à barbacã que a precedia. Aquele era constituído por duas fiadas de pedras de
média dimensão com o interior preenchido por outras menores. No perfil foram registadas cinco
camadas estratigráficas, criadas eventualmente por séculos de entulhamentos nesta vertente.
O espólio recuperado é relativamente escasso, uma vez que é resultante da escolha das terras
retiradas anteriormente e da limpeza da camada de assentamento do depósito de água. O mesmo
foi interpretado, à época, como consequência de um deslizamento da área da necrópole (Salvado &
Moreira, 2007, p. 213), não muito longe desta vertente da encosta, embora aquele apenas tenha sido
alvo de análise preliminar.
Ao longo da intervenção, vários foram os periódicos locais que noticiaram a situação7, mas foi
só em 2007 que foram publicados os resultados preliminares sobre o assunto (Salvado e Moreira,
2007).