terça-feira, 7 de outubro de 2014 | By: Albicastelhano

EVIDÊNCIAS DE ÉPOCA MODERNA NO CASTELO DE CASTELO BRANCO

EVIDÊNCIAS DE ÉPOCA
MODERNA NO CASTELO DE
CASTELO BRANCO (PORTUGAL)



CARLOS BOAVIDA Mestre em Arqueologia pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa, Instituto de Arqueologia e Paleociências (IAP) das Universidades Nova
de Lisboa e do Algarve
RESUMO Em Fevereiro de 1979, um aluimento de terras na alcáçova de Castelo Branco, junto à Igreja de Santa Maria, provocado
por um temporal, expôs diversos vestígios arqueológicos.
Com o objectivo de investigar a história do local, foi organizada uma intervenção arqueológica, entre 1979 e 1984, durante
a qual se identiicou uma necrópole de fundação medieval. A utilização desta ter-se-à prolongado pelo menos até ao inal
da Época Moderna, sendo dessa cronologia a maior parte dos materiais encontrados. Foram igualmente colocados à vista os
alicerces de estruturas das quais não foi possível aferir a função.
Apesar de não ter sido elaborado o devido registo estratigráico e dos resultados, do ponto de vista estrutural, terem sido
demasiado modestos, foi recolhido numeroso e diversiicado espólio. Além das usuais cerâmicas, foram recuperados objectos
metálicos, em vidro, osso, azeviche e cabedal, juntamente com numismas, estelas funerárias e restos de fauna mamalógica.
Quase três décadas volvidas, o signatário elaborou dissertação de Mestrado em Arqueologia, cujo principal objectivo foi o
estudo do espólio recuperado nessa e noutra pequena intervenção preventiva em 2000.

PALAVRAS-CHAVE Cerâmica, metais, vidro, cabedal, estelas funerárias

1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
A vila de Castelo Branco, graças ao facto de ter sido
sede da Ordem do Templo entre 1215-1314, teve um
franco desenvolvimento ao longo da época medieval.
Durante o reinado de D. Afonso IV teve lugar a ampliação
das muralhas daquela urbe, uma vez que os
seus arrabaldes eram então bastante extensos e se encontravam
à mercê de eventuais ataques castelhanos
(Gonçalves, 1965, p. 6-8).
Essa muralha surge representada, nos inícios do século
XVI, nos debuxos de Duarte d’Armas, precedida por
uma barbacã mandada construir, por volta de 1490,
pelo futuro rei D. Manuel I, enquanto Grão-Mestre da
Ordem de Cristo (Gomes, 20012, p. 69).
Nessas imagens do Livro das Fortalezas podemos observar
o aspecto da extensa vila medieval no início do
período moderno. Na parte alta estava o castelo de
origem templária, onde se encontrava o Palácio dos
Alcaides, a torre de menagem poligonal e a Igreja de
Santa Maria (apenas representada em planta). Toda a
vila era rodeada por uma alta muralha, onde se abriam
diversas portas (Vila, Relógio, Espírito Santo, Esteval, e
Santiago). Ao redor da vila, em torno dos edifícios religiosos
que aí existiam, onde se destaca a Igreja de São
Miguel, também ela de fundação templária, desenvolviam-
se alguns arrabaldes, como o dos oleiros.
Terá sido também nesta época que foi construída a Praça
Velha, no coração do actual centro histórico, onde
foram erguidos os Paços do Concelho e o Pelourinho,
juntamente com o Celeiro da Ordem de Cristo, aí erguido
eventualmente devido aos mais fáceis acessos aos
campos do termo da vila. A partir de 1492, em Castelo
Branco, tal como na maioria das localidades raianas,
houve um acentuado aumento populacional devido à
expulsão de judeus e mouriscos de Castela, que passaram
a viver em Portugal sob o véu de cristãos-novos
depois de 1497 (Dias, 1998, p. 48-49).
Em 1510, D. Manuel I renovou o foral da vila que se tornou
notável em 1535, no reinado do seu ilho, D. João
III, durante a reorganização administrativa de 1532-
-1536, que também a tornou cabeça de comarca por
ser uma das maiores e mais populosas da província da
Beira (Dias, 1998, p. 35).
Castelo Branco foi duramente afectada pelos conlitos
bélicos que tiveram lugar ao longo dos séculos XVII-
-XVIII: Guerra da Restauração (1640-1668), Guerra
da Sucessão Espanhola (1703-1713) e Guerra dos Sete
Anos (1756-1763).
Tanto as muralhas como a alcáçova foram várias vezes
parcialmente destruídas e incendiadas, sendo consecutivamente
reconstruídas, apagando assim, a pouco
e pouco, os vestígios das estruturas mais antigas.
Ao longo de todo este período, o peril da vila pouco
se alterou, nunca ultrapassando o perímetro definido
pelas capelas e ermidas existentes nos arrabaldes.
Assim, em 1770/71, quando Castelo Branco foi elevada
a cidade, sede de bispado, a Igreja de Santa Maria do
Castelo, até aí a matriz da paróquia, foi preterida em
relação à Igreja de São Miguel. Esta, localizada fora de
portas, pelo menos desde o século XIII, foi então reestruturada
(Conceição, 1994). O mesmo sucedeu com
a quinta de recreio do Bispo da Guarda, igualmente
fora de portas, que se tornou no Paço Episcopal.
Em 1807, durante a I Invasão Francesa, Junot e o seu
exército pernoitaram na cidade, na sua marcha para
Lisboa, espoliando-a totalmente. No ano seguinte,
com o auxílio de um contingente inglês que se instalou
para o efeito, a cidade foi libertada.
Nessa altura, a alcáçova voltou uma vez mais a ser
destruída em grande parte, perdendo toda a sua importância
estratégica. A cidade crescia na parte baixa,
pelos campos em seu redor, como se pode observar
numa pintura da autoria de Cumberland datada de
1823 (Hormigo, 1983, p. 5-7 e 31).
Às Invasões Francesas sucedeu-se a Guerra Civil, cujos
efeitos, localmente, foram acima de tudo ao nível das
mentalidades. Dessa forma, devidamente autorizada
pela edilidade (Oliveira, 2003, p. 42-50), na senda de
destruição dos símbolos do poder absolutista anteriormente
vigente, foi levada a cabo a demolição das
portas da cidade e de parte das muralhas, principalmente
na zona da alcáçova, que foi praticamente
desmontada na íntegra. As poucas estruturas que sobreviveram
ao camartelo foram demolidas após a sua
ruína na consequência de diversos temporais. A igreja
de Santa Maria do Castelo foi reconstruída, mas encontra-
se totalmente descaracterizada em relação ao
que seria originalmente.
Em consequência da extinção das ordens religiosas em
1834, foram igualmente desactivadas e desmontadas
várias capelas e ermidas; situação que se acentuou em
1881, com a extinção do bispado por breve apostólico
do papa Leão XIII e mais tarde, com a separação da
Igreja do Estado, durante a I República.