quinta-feira, 27 de novembro de 2014 | By: Albicastelhano

Castelo de Castelo Branco (1979–1984 e 2000): síntese dos trabalhos arqueológicos desenvolvidos e principais conclusões VI

Considerações finais

Os trabalhos arqueológicos decorridos na alcáçova albicastrense, na década de 80, tiveram
lugar numa época em que os estudos sobre as Arqueologias Medieval e Moderna eram ainda embrionários
em Portugal. O facto de se encontrar numa região afastada em muitos aspectos dos principais
centros urbanos, em particular dos meios académicos, levou a que na intervenção não tenham
sido aplicados os princípios que então ali se desenvolviam. Apesar de para outros períodos existirem
métodos bastante difundidos de actuação em campo, pelas características próprias do local, os mesmos
não foram devidamente adaptados à realidade existente, tendo‑se
perdido algumas informações
relevantes sobre o mesmo. Apesar disso, com os meios técnicos e financeiros existentes fez‑se
o
possível, o que poderá justificar o facto do espólio recolhido ter permanecido inédito durante praticamente
três décadas.
À época foram essencialmente efectuados os trabalhos de campo, durante os quais se identificaram
várias estruturas, então colocadas à vista, embora não tenham sido apurada a função de parte
delas, como sucede com o que existiria na área do aluimento (Q.118) e o que o terá provocado.
Foram identificados diversos vestígios de estruturas sobre os alicerces da actual Igreja de Santa
Maria, evidência de construções anteriores, como refere alguma da documentação escrita sobre o
local. Em redor do templo foi colocada à vista uma necrópole, relativamente extensa, existindo
caminhos de circulação na área por ela ocupada. Infelizmente as árvores entretanto plantadas destruíram
muitos dos restos osteológicos que ainda hoje permanecem em grande parte no local,
aguardando o seu correcto levantamento e estudo.

Do ponto de vista estratigráfico, existe uma referência comum numa das sondagens efectuadas
em 1980 e os trabalhos preventivos levados a cabo em 2000: as cinco camadas identificadas em
corte. É facto que os dois locais são próximos, mas também se pode pôr a hipótese de essas cinco
camadas corresponderem a momentos de abandono/reestruturação da alcáçova.
A maioria dos materiais analisados provém do quadrado 118, que como se referiu, não tinha
estratigrafia fiável, ou pelo menos a mesma não terá sido devidamente registada. No entanto, apesar
de descontextualizado, através da sua comparação com espólio recolhido noutros locais e recorrendo
também a documentação iconográfica é possível chegar a algumas conclusões, além da sua
atribuição cronológica já referida no âmbito da sua análise formal e funcional.
No que diz respeito à cerâmica fosca, a predominância dos elementos constituintes do granito,
como desengordurantes nas pastas utilizadas, poderá indicar estarmos perante fabricos de
âmbito regional, ou até mesmo local. Se, por um lado, no Período Medieval, foram identificados
diversos paralelos formais noutros arqueosítios da região, como Castelo Novo e Penamacor, por
outro, no Período Moderno, e embora os paralelos tenham sido maioritariamente identificados
em núcleos urbanos onde estas temáticas são abordadas há já várias décadas, pelo menos a partir
do século XVI, surgem as primeiras referências ao arrabalde dos oleiros na própria vila de Castelo
Branco.
As várias peças esmaltadas provindas de centros oleiros castelhanos são um indicador do
poder de compra das comunidades que residiam no castelo de Castelo Branco ou nas suas proximidades,
mas acima de tudo um reflexo das trocas comerciais transfronteiriças. O mesmo se poderá
dizer dos numismas cunhados nesse reino ibérico igualmente recuperadas na alcáçova albicastrense;
embora a circulação destes fosse usual nas zonas de fronteira, visto que o seu valor era idêntico
ao dos seus congéneres nacionais.
O conjunto numismático português é muito diversificado, abrangendo um vasto período
cronológico que se prolonga desde do século XII ao XVI. Alguns desses exemplares foram encontrados
em associação com as inumações existentes no adro de Santa Maria, sem que no entanto
tenham sido registados exactamente quais. Alguns deles, devido à sua oxidação permitiram a conservação
de restos de linho, que faria parte das vestes dos inumados ou até mesmo dos sudários
utilizados nos enterramentos, como evidencia a presença de centenas de alfinetes. Neste caso em
particular, trata‑se
de exemplares numismáticos que já não se encontrariam em circulação, designados
por alguns autores por “dinheiros‑velhos”,
visto que a sua cronologia não coincide totalmente
com a de outros materiais associados às inumações. Entre esses materiais destacam‑se
diversos elementos de vestuário, mas principalmente objectos de carácter religioso, como as cruzes
e as medalhas.
Foram recuperados muitos outros objectos, que a par com todos os anteriormente referidos,
são um reflexo das várias funcionalidades reunidas na alcáçova albicastrense — espaço habitacional,
religioso, administrativo e militar.
A análise aqui apresentada é extremamente parcial por não se conhecerem os contextos precisos
em que os materiais estariam integrados. No entanto, a informação obtida é uma mais‑valia
para o estudo deste espaço e até mesmo da própria cidade, visto que não existem quaisquer estudos
arqueológicos publicados, mesmo que meramente sucintos, sobre a arqueologia dos mesmos para
a Época Medieval e Moderna.



Agradecimentos

À Professora Doutora Rosa Varela Gomes, orientadora da tese de Mestrado em Arqueologia
apresentada à FCSH‑UNL,
aqui parcialmente publicada.

À Dr.ª Aida Rechena e à Dr.ª Solange Almeida, directoras dos dois museus onde se encontra
em depósito o espólio analisado, o Museu de Francisco Tavares Proença Júnior, em Castelo Branco,
e o Museu do Canteiro, em Alcains.

Aos responsáveis pelos trabalhos arqueológicos que decorreram no castelo de Castelo Branco:
Dr. João Ribeiro (1979–1984), Dr.ª Sílvia Moreira e Dr. Pedro Salvado (2000).

Aos familiares, amigos, colegas e professores que me apoiaram ao longo de todo o processo.
notas

* Mestre em Arqueologia pela Faculdade de Ciências Sociais
e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Instituto
de Arqueologia e Paleociências (IAP) das Universidades Nova
de Lisboa e do Algarve. Associação dos Arqueólogos Portugueses.

1 Artigo baseado na conferência “Castelo de Castelo Branco ‑
Escavações
Arqueológicas de 1979/84 e 2000” proferida pelo signatário no
Museu Francisco Tavares Proença Júnior, no âmbito das
comemorações do centenário daquela instituição, no passado
dia 23 de Outubro de 2010.

2 Cf. Processo n.º 263 ‑
Castelo de Castelo Branco do Arquivo
de Arqueologia do IGESPAR . São apenas referidos os trabalhos
arqueológicos decorridos entre 1979/84 e em 2000, uma vez que
o espólio estudado foi recolhido durante os mesmos. No entanto,
recentemente (2008/2009), no âmbito do Programa POLIS,
o castelo de Castelo Branco foi alvo de trabalhos arqueológicos
preventivos a cargo da empresa Novarqueologia. O castelo foi
intervencionado em vários locais, tendo‑se
recolhido entre outros,
grande quantidade de materiais do período medieval e moderno
(situação observada no local em Julho de 2008 e de 2009).
No processo não consta nenhuma informação sobre achados que
se tenham verificado em data anterior aos trabalhos arqueológicos
de 1979, nem sobre a construção de um depósito de água
(1932/33) e de uma casa de banho subterrânea.

3 Cf. Carta datada de 7 de Junho de 1979 in Processo n.º 263 ‑
Castelo de Castelo Branco do Arquivo de Arqueologia do IGESPAR .
4 Idem.

5 Cf. Despacho datado de 26/3/1985, após parecer datado
de 1/3/1985 in Processo n.º 263 ‑
Castelo de Castelo Branco
do Arquivo de Arqueologia do IGESPAR .

6 Em 2008 foram apresentados publicamente os primeiros
resultados dos trabalhos arqueológicos decorridos entre
1979/1984 na alcáçova albicastrense, no âmbito do Congresso
Internacional de Arqueologia ‑
Cem Anos de Investigação Arqueológica
no Interior Centro, cujas actas foram publicadas recentemente
(Ribeiro, 2010).

7 Ver “Povo da Beira” (9/5/2000 e 4/7/2000), “A Reconquista”
(30/6/2000), “Notícias da Covilhã” (11/8/2000), “Jornal
do Fundão (11/8/2000) e “Raia: Revista de Divulgação Cultural”
(Set. 2000).

8 Http://www.cm‑montemornovo.pt

9 Http://www.cm‑castelo‑vide.pt

10 O Cónego Anacleto Pires Martins participou activamente
nas primeiras campanhas de escavação no castelo de Castelo
Branco, estando o seu estudo de medalhística e crucifixos incluído
no relatório da 2.ª campanha, sob o título “Objectos religiosos
encontrados nas escavações no cemitério da antiga freguesia de
Santa Maria do Castelo”.

11 Http://www.cm‑montemornovo.pt

12 Idem.

13 Cf. Gomes, 2003.

14 Cf. Gomes & Trigueiros, 1995.

15 Http://www.maravedis.net/castillaleon.html