sexta-feira, 21 de novembro de 2014 | By: Albicastelhano

Castelo de Castelo Branco (1979–1984 e 2000): síntese dos trabalhos arqueológicos desenvolvidos e principais conclusões IV

3.2. Artefactos metálicos

Este conjunto é, sem dúvida, um dos mais significativos de todo o espólio recolhido. Destaca‑
-se pela sua variedade e pelo seu estado de conservação, que nalguns casos se encontra bastante
valorizado após o seu restauro.
No que diz respeito aos objectos de uso doméstico estão presentes, entre outros, uma anilha
de cabo de vassoura (n.º 52), em ferro e uma pintadeira (n.º 53) em bronze (Boavida, 2009, p. 77).
São designadas nalguns locais como chavões alentejanos e utilizadas para marcar pães e bolos cozidos em fornos comunitários. De acordo com Abel Viana são peças com grande previvência, desde a
Alta Idade Média até à actualidade (Viana, 1961/62, pp. 162–163, figs. 170–172). Recolheram‑se
peças idênticas em diversas localidades alentejanas como Portel (Nolen, 2004, p. 31, n.º 7), Monforte
(Bugalhão, 2004, p. 145, fig. 33), Montemor‑o‑Novo8
e Castelo de Vide9, onde a sua cronologia
se estende desde do século XV ao XVIII.
O grupo mais diversificado é o dos objectos de uso pessoal, que se pode dividir em dois; por
um lado, o dos acessórios de vestuário e por outro o da joalharia, onde se incluem alguns objectos
de carácter religioso. Os últimos foram analisados à época das escavações pelo Cónego Anacleto
Pires Martins10. Trata‑se
de sete medalhas e duas cruzes. As medalhas em liga de cobre, por vezes
com vestígios de revestimento dourado, assumem três formas distintas: oval, octogonal e em
cadena (n.º 54a–54c). Algumas delas (54c), que poderão ser mais tardias, mostram saliências nos
eixos, talvez a evidenciar a sobreposição a uma cruz (Boavida, 2009, pp. 76–77) A temática decorativa
é obviamente de cariz religioso, sendo as imagens mais frequentes as de Nossa Senhora da
Conceição, de São Carlos Barromeu e de São Francisco de Assis. Foram recuperadas peças idênticas
em contextos dos séculos XVI–XVII dos conventos de Santa Clara‑a‑Velha
de Coimbra (Mourão,
2004, pp. 115–132) e de São Francisco de Santarém (Ramalho, 2002, p. 201, n.os 237, 238 e
240), na antiga igreja paroquial da Foz do Douro (Osório, 1993, p. 33) e nos castelos de Alcobaça
(António, 2006, pp. 30–31), Sabugal (Osório, 2008, pp. 171–172, n.os 261–262) e Montemor‑o‑Novo11.
Com datações que vão até à centúria seguinte, são conhecidos vários casos em Lisboa,
como sejam o Convento de Jesus (Cardoso, 2008, p. 281, fig. 29), o Mosteiro de São Vicente de Fora
(Ferreira, 1983, pp. 34–35, figs. 73–76) e a igreja do Convento do Carmo (Ferreira & Neves, 2005,
pp. 604–605, n.os 1633–1641), sendo nos dois últimos a imagem de Nossa Senhora da Conceição
igualmente recorrente.
Uma das cruzes é decorada por motivo vegetalista que define um medalhão central octogonal
com a sigla IHS (n.º 55). Na forma é idêntica a outras duas, uma recolhida em Santarém (Ramalho,
2002, p. 201, n.º 241) e outra em Montemor‑o‑Novo12,
embora essas mostrem Cristo na cruz. São
atribuídas ao período entre os séculos XVI–XVIII. O Cónego Anacleto Martins atribui a outra cruz
a essa última centúria. Trata‑se
de uma peça muito simples que poderá ter integrado um terço (Boavida,
2009, p. 76)
Foi recolhido também um brinco (n.º 57), em liga de cobre, e um anel (n.º 56), possivelmente
em prata. O primeiro é igual a outro colectado em níveis setecentistas de Santa Clara‑a‑Velha
(Mourão,
2004, p. 13, n.º 27), enquanto o anel encontra semelhanças formais com outros, em liga de
cobre, muito mais espessos, recuperados em Penamacor (Boavida, 2006, p. 135, n.º 88), Castelo
Novo (Silvério & Barros, 2005, p. 194, fig. 80.2) e Coimbra (Mourão, 2004, p. 26, n.º 56), cuja datação
aponta para os séculos XVI–XVIII.
Em relação aos acessórios de vestuário, os exemplares mais antigos são dois fechos de cinturão
(n.os 58–59) que encontram afinidades formais, assim como na temática decorativa, noutros recuperados
no Sabugal (Osório, 2008, p. 122, n.º 207) e em Palmela (Fernandes & Santos, 2008, p. 47,
n.º 52), atribuídos dos séculos XII–XIII.
Destacam‑se
também duas fivelas (n.os 61–62), uma de formato liriforme, igual a outras recolhidas
em necrópoles tardo‑medievais
(século XV) de Cuenca (Fernández, 1981, figs. 12 e 17) e
outra, de sapato, mais elaborada que no feitio se assemelha a modelos setecentistas (Orey, 1995,
figs. 106–125).
Dentro deste grupo existe um conjunto de objectos cuja cronologia poderá ser mais bem aferida
recorrendo à iconografia contemporânea, visto que tal como aqui, noutros arqueosítios surgem
muitas vezes fora de contexto. Assim, podem‑se
observar em retratos da autoria de pintores


anglo‑saxónicos
como o do Coronel George K. H. Coussmaker (1782) e de Francis Rawdon Hastings
(1789), ambos de Sir Joshua Reynolds, botões de pé, forrados ou polidos (n.º 60), idênticos aos
encontrados na alcáçova albicastrense, cuja produção de origem inglesa abastecia o mercado português
nos finais de setecentos. Surgem igualmente em retratos da escola americana, como os de
Charles Petit (1792) e do Coronel William Taylor (1790), de Charles Wilson Peale e de Ralph Earl, respectivamente.
As pontas de atilho (n.º 67) têm paralelos em obras como Retrato da Princesa Santa Joana
(mestre desconhecido), Martírio de São Sebastião (Gregório Lopes) ou nos Painéis de São Vicente
(Nuno Gonçalves), datados dos séculos XV–XVI, tendo sido recolhidas em Portel e em Coimbra
em contextos datados dessa mesma cronologia (Nolen, 2004, p. 31, n.º 8; Mourão, 2004, p. 22,
n.º 47).
Em relação aos alfinetes (n.os 63–66), que seriam usados no cabelo ou para segurar toucados e
eventualmente outras peças de vestuário, é mais frequente surgirem em pinturas flamengas como
Portrait of a Lady (1464), Lady wearing a gauze headdress (1445), ambos de Rogier van der Weyden e
também em Portrait of a Woman (1430 ‑
Master of Flémalle), surgindo também na Apresentação do
Menino no Templo, obra de Francisco Henriques, pintor de origem flamenga, radicado em Portugal
na primeira metade do século XVI. Os alfinetes de menor dimensão seriam usados para segurar a
mortalha dos inumados na necrópole da alcáçova albicastrense, como sucederia com os recolhidos
na Igreja de Nossa Senhora da Conceição do Cadaval (Cardoso, 2007, pp. 12–13) e no Convento de
Jesus em Lisboa (Cardoso, 2008, p. 282, fig. 30).
A utilização de sudários é igualmente evidenciada pela forma antropomórfica das sepulturas
escavadas na rocha e pela posição dos membros dos indivíduos aqui enterrados: pés sobrepostos e
mãos colocadas sobre o baixo‑ventre.
Não seria usual a utilização de esquifes, embora pudessem
existir, mas tal seria demasiado dispendioso para a maioria da população. A grande quantidade e
variedade de pregos (n.os 68–74) recolhida seria proveniente de vários elementos de mobiliário e
também de madeiramentos estruturais, o que poderá justificar também a sua diversidade (Boavida,
2009, pp. 78–79).
Foram recuperadas também algumas peças de armamento, como um virote de besta (n.º 75),
semelhante aos recolhidos em contextos datados entre o século XIII e o século XV de Castelo Novo
(Silvério & Barros, 2005, pp. 199, fig. 84, n.º 4), Vilar Maior (Osório, 2008, p. 147, n.º 222), Guarda
e Castelo de Vide (Barroca & Monteiro, 2000, pp. 396, 399, n.os 137, 142). Destaca‑se
igualmente um
conjunto de balas de canhão, colectadas durante os trabalhos de 2000, junto ao possível derrube da
muralha. Uma vez que grande parte da fortaleza foi usada como pedreira, nalgumas partes desmontada
até às suas fundações, a presença de tais peças neste local poderá indicar a reutilização das
mesmas como bolas de pedreira (Boavida, 2009, p. 79) visto serem iguais a outras, provenientes da
pedreira de Montelavar em Sintra, com essa mesma função, que se encontram expostas no Museu
do Canteiro (Almeida, 2005, pp. 17–18).

3.3. Artefactos em azeviche, osso, vidro e cabedal

Na alcáçova albicastrense recolheram‑se
contas em azeviche, osso e vidro (n.os 76–80). Apesar
de poderem ter sido usadas em colares ou pulseiras, o facto de terem sido encontradas peças idênticas
em contextos funerários de Lisboa (Ferreira e Neves, 2005, pp. 607–609, n.os 1657 e 1668), Porto
(Osório, 1993, p. 32), Santarém (Ramalho, 2002, p. 200, n.os 231–234), Coimbra (Mourão, 2004, pp.
21–94, n. os 43, 45, 94, 166, 176–177, 181, 215) e Cadaval (Cardoso, 2007, pp. 38, n. os 5–9, 39,


n. os 3–9), indica que poderiam integrar objectos de carácter religioso, como terços e rosários.
Na maior parte dessas localidades foram recuperadas em níveis atribuídos aos séculos XVI–XVII, ou
até ao final da centúria seguinte. Em azeviche foi também recolhida uma pequena figa, dentro da
mesma cronologia, como sugerem os achados similares nos conventos de São Francisco de Santarém
(Ramalho, 2002, p. 202, n. os 246–247) e de Santa Clara‑a‑Velha
de Coimbra (Mourão, 2004,
pp. 3–4, n.º 6).
Também foram recolhidos anéis em vidro negro (n.º 81), do tipo veneziano, além de alguns
objectos de uso à mesa, nomeadamente contentores de líquidos, em particular um fundo de garrafa,
um pé de cálice e uma asa de caneca. Enquanto os anéis encontram paralelos em níveis dos séculos
XVI–XVII de Santarém (Ramalho, 2002, p. 203, n.os 250 e 252) e de Lisboa (Ferreira, 1983, p. 10,
fig. 16), as restantes peças serão um pouco mais tardias, já das centúrias seguintes (Custódio, 2002,
pp. 336–337, n.os 154–160; Ferreira, 2004, p. 564, figs. 9e–9g).
Destacam‑se
dentro de todo o conjunto em análise diversos vestígios de objectos produzidos
em cabedal, nomeadamente um sapato praticamente completo, do qual se apresenta a sola (n.º 82).
Uma outra sola mostra ainda os restos do fio que a cozia à parte correspondente ao peito do pé. Este
tipo de material encontra‑se
pouco publicado no nosso país, estando os exemplares dados à estampa
datados do século XVII (Cardoso, 2008, p. 281, fig. 27; Nozes, Silva & Miranda, 2007, p. 23).