sábado, 29 de novembro de 2014 | By: Albicastelhano
quinta-feira, 27 de novembro de 2014 | By: Albicastelhano

Castelo de Castelo Branco (1979–1984 e 2000): síntese dos trabalhos arqueológicos desenvolvidos e principais conclusões VI

Considerações finais

Os trabalhos arqueológicos decorridos na alcáçova albicastrense, na década de 80, tiveram
lugar numa época em que os estudos sobre as Arqueologias Medieval e Moderna eram ainda embrionários
em Portugal. O facto de se encontrar numa região afastada em muitos aspectos dos principais
centros urbanos, em particular dos meios académicos, levou a que na intervenção não tenham
sido aplicados os princípios que então ali se desenvolviam. Apesar de para outros períodos existirem
métodos bastante difundidos de actuação em campo, pelas características próprias do local, os mesmos
não foram devidamente adaptados à realidade existente, tendo‑se
perdido algumas informações
relevantes sobre o mesmo. Apesar disso, com os meios técnicos e financeiros existentes fez‑se
o
possível, o que poderá justificar o facto do espólio recolhido ter permanecido inédito durante praticamente
três décadas.
À época foram essencialmente efectuados os trabalhos de campo, durante os quais se identificaram
várias estruturas, então colocadas à vista, embora não tenham sido apurada a função de parte
delas, como sucede com o que existiria na área do aluimento (Q.118) e o que o terá provocado.
Foram identificados diversos vestígios de estruturas sobre os alicerces da actual Igreja de Santa
Maria, evidência de construções anteriores, como refere alguma da documentação escrita sobre o
local. Em redor do templo foi colocada à vista uma necrópole, relativamente extensa, existindo
caminhos de circulação na área por ela ocupada. Infelizmente as árvores entretanto plantadas destruíram
muitos dos restos osteológicos que ainda hoje permanecem em grande parte no local,
aguardando o seu correcto levantamento e estudo.

Do ponto de vista estratigráfico, existe uma referência comum numa das sondagens efectuadas
em 1980 e os trabalhos preventivos levados a cabo em 2000: as cinco camadas identificadas em
corte. É facto que os dois locais são próximos, mas também se pode pôr a hipótese de essas cinco
camadas corresponderem a momentos de abandono/reestruturação da alcáçova.
A maioria dos materiais analisados provém do quadrado 118, que como se referiu, não tinha
estratigrafia fiável, ou pelo menos a mesma não terá sido devidamente registada. No entanto, apesar
de descontextualizado, através da sua comparação com espólio recolhido noutros locais e recorrendo
também a documentação iconográfica é possível chegar a algumas conclusões, além da sua
atribuição cronológica já referida no âmbito da sua análise formal e funcional.
No que diz respeito à cerâmica fosca, a predominância dos elementos constituintes do granito,
como desengordurantes nas pastas utilizadas, poderá indicar estarmos perante fabricos de
âmbito regional, ou até mesmo local. Se, por um lado, no Período Medieval, foram identificados
diversos paralelos formais noutros arqueosítios da região, como Castelo Novo e Penamacor, por
outro, no Período Moderno, e embora os paralelos tenham sido maioritariamente identificados
em núcleos urbanos onde estas temáticas são abordadas há já várias décadas, pelo menos a partir
do século XVI, surgem as primeiras referências ao arrabalde dos oleiros na própria vila de Castelo
Branco.
As várias peças esmaltadas provindas de centros oleiros castelhanos são um indicador do
poder de compra das comunidades que residiam no castelo de Castelo Branco ou nas suas proximidades,
mas acima de tudo um reflexo das trocas comerciais transfronteiriças. O mesmo se poderá
dizer dos numismas cunhados nesse reino ibérico igualmente recuperadas na alcáçova albicastrense;
embora a circulação destes fosse usual nas zonas de fronteira, visto que o seu valor era idêntico
ao dos seus congéneres nacionais.
O conjunto numismático português é muito diversificado, abrangendo um vasto período
cronológico que se prolonga desde do século XII ao XVI. Alguns desses exemplares foram encontrados
em associação com as inumações existentes no adro de Santa Maria, sem que no entanto
tenham sido registados exactamente quais. Alguns deles, devido à sua oxidação permitiram a conservação
de restos de linho, que faria parte das vestes dos inumados ou até mesmo dos sudários
utilizados nos enterramentos, como evidencia a presença de centenas de alfinetes. Neste caso em
particular, trata‑se
de exemplares numismáticos que já não se encontrariam em circulação, designados
por alguns autores por “dinheiros‑velhos”,
visto que a sua cronologia não coincide totalmente
com a de outros materiais associados às inumações. Entre esses materiais destacam‑se
diversos elementos de vestuário, mas principalmente objectos de carácter religioso, como as cruzes
e as medalhas.
Foram recuperados muitos outros objectos, que a par com todos os anteriormente referidos,
são um reflexo das várias funcionalidades reunidas na alcáçova albicastrense — espaço habitacional,
religioso, administrativo e militar.
A análise aqui apresentada é extremamente parcial por não se conhecerem os contextos precisos
em que os materiais estariam integrados. No entanto, a informação obtida é uma mais‑valia
para o estudo deste espaço e até mesmo da própria cidade, visto que não existem quaisquer estudos
arqueológicos publicados, mesmo que meramente sucintos, sobre a arqueologia dos mesmos para
a Época Medieval e Moderna.



Agradecimentos

À Professora Doutora Rosa Varela Gomes, orientadora da tese de Mestrado em Arqueologia
apresentada à FCSH‑UNL,
aqui parcialmente publicada.

À Dr.ª Aida Rechena e à Dr.ª Solange Almeida, directoras dos dois museus onde se encontra
em depósito o espólio analisado, o Museu de Francisco Tavares Proença Júnior, em Castelo Branco,
e o Museu do Canteiro, em Alcains.

Aos responsáveis pelos trabalhos arqueológicos que decorreram no castelo de Castelo Branco:
Dr. João Ribeiro (1979–1984), Dr.ª Sílvia Moreira e Dr. Pedro Salvado (2000).

Aos familiares, amigos, colegas e professores que me apoiaram ao longo de todo o processo.
notas

* Mestre em Arqueologia pela Faculdade de Ciências Sociais
e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Instituto
de Arqueologia e Paleociências (IAP) das Universidades Nova
de Lisboa e do Algarve. Associação dos Arqueólogos Portugueses.

1 Artigo baseado na conferência “Castelo de Castelo Branco ‑
Escavações
Arqueológicas de 1979/84 e 2000” proferida pelo signatário no
Museu Francisco Tavares Proença Júnior, no âmbito das
comemorações do centenário daquela instituição, no passado
dia 23 de Outubro de 2010.

2 Cf. Processo n.º 263 ‑
Castelo de Castelo Branco do Arquivo
de Arqueologia do IGESPAR . São apenas referidos os trabalhos
arqueológicos decorridos entre 1979/84 e em 2000, uma vez que
o espólio estudado foi recolhido durante os mesmos. No entanto,
recentemente (2008/2009), no âmbito do Programa POLIS,
o castelo de Castelo Branco foi alvo de trabalhos arqueológicos
preventivos a cargo da empresa Novarqueologia. O castelo foi
intervencionado em vários locais, tendo‑se
recolhido entre outros,
grande quantidade de materiais do período medieval e moderno
(situação observada no local em Julho de 2008 e de 2009).
No processo não consta nenhuma informação sobre achados que
se tenham verificado em data anterior aos trabalhos arqueológicos
de 1979, nem sobre a construção de um depósito de água
(1932/33) e de uma casa de banho subterrânea.

3 Cf. Carta datada de 7 de Junho de 1979 in Processo n.º 263 ‑
Castelo de Castelo Branco do Arquivo de Arqueologia do IGESPAR .
4 Idem.

5 Cf. Despacho datado de 26/3/1985, após parecer datado
de 1/3/1985 in Processo n.º 263 ‑
Castelo de Castelo Branco
do Arquivo de Arqueologia do IGESPAR .

6 Em 2008 foram apresentados publicamente os primeiros
resultados dos trabalhos arqueológicos decorridos entre
1979/1984 na alcáçova albicastrense, no âmbito do Congresso
Internacional de Arqueologia ‑
Cem Anos de Investigação Arqueológica
no Interior Centro, cujas actas foram publicadas recentemente
(Ribeiro, 2010).

7 Ver “Povo da Beira” (9/5/2000 e 4/7/2000), “A Reconquista”
(30/6/2000), “Notícias da Covilhã” (11/8/2000), “Jornal
do Fundão (11/8/2000) e “Raia: Revista de Divulgação Cultural”
(Set. 2000).

8 Http://www.cm‑montemornovo.pt

9 Http://www.cm‑castelo‑vide.pt

10 O Cónego Anacleto Pires Martins participou activamente
nas primeiras campanhas de escavação no castelo de Castelo
Branco, estando o seu estudo de medalhística e crucifixos incluído
no relatório da 2.ª campanha, sob o título “Objectos religiosos
encontrados nas escavações no cemitério da antiga freguesia de
Santa Maria do Castelo”.

11 Http://www.cm‑montemornovo.pt

12 Idem.

13 Cf. Gomes, 2003.

14 Cf. Gomes & Trigueiros, 1995.

15 Http://www.maravedis.net/castillaleon.html

quarta-feira, 26 de novembro de 2014 | By: Albicastelhano
terça-feira, 25 de novembro de 2014 | By: Albicastelhano

Castelo de Castelo Branco (1979–1984 e 2000): síntese dos trabalhos arqueológicos desenvolvidos e principais conclusões V

3.4. Numismática

Nos trabalhos arqueológicos decorridos na alcáçova albicastrense foram colectados 193
numismas, dos quais apenas não foi possível identificar 7 devido ao seu estado de conservação.
Trata‑se
essencialmente de exemplares da primeira e segunda dinastias portuguesas. Uma vez
que o valor da moeda correspondia ao valor do seu metal constituinte, algumas delas foram cortadas
em duas ou quatro partes, dando origem às chamadas mealhas. Muitos dos exemplares também
se encontram cerceados. Apesar de não ter sido registado quais, alguns apareceram associados aos
enterramentos, tendo preservado, devido à sua oxidação, restos dos tecidos que constituiriam a
roupa ou o sudário dos inumados.
Da primeira dinastia foram identificados dinheiros de D. Sancho I (1185–1211), D. Sancho II
(1223–1248), D. Afonso III (1248–1279) e D. Fernando (1367–1383). Não foi possível caracterizar
com exactidão um exemplar que poderá ser de D. Dinis (1279–1325) ou D. Afonso IV (1325–1357)13.
Da segunda dinastia foram recolhidos espécimes monetários de todos os reinados, destacando‑se
a diversidade de tipos no reinado de D. João I (1385–1433), ½ vintém de prata de D. Manuel I
(1495–1521) e um grande conjunto de ceitis, na maioria de D. Afonso V (1438–1481) e D. João III
(1521–1557)14.
Uma vez que o valor monetário dos numismas portugueses não era muito diferente do de
outros exemplares castelhanos, graças à proximidade com a fronteira e ao comércio que através dela
teria lugar, foi igualmente recolhido um dinero de Afonso X (1252–1284) e duas blanca del rombo,
tipo monetário emitido nos últimos anos do reinado de Henrique IV (1454–1474)15.
Foi recuperado um pequeno cobre de Constantino II (317–337) datado do século IV e um
jeton, possivelmente dos séculos XVII–XVIII, que mostra caligrafia árabe (Antunes, 2011, pp. 730–
–732).



3.5. Estelas funerárias

Recolheram‑se
dois tipos de estelas funerárias: as discoidais, que constituem a maioria, e as
rectangulares. As primeiras mostram quase sempre as duas faces decoradas, sendo recorrente a
cruz pátea (n.º 83) ou motivos radiais (dois exemplares em ambas as faces). Uma destas últimas
tem forma totalmente antropomórfica, mostrando os braços, lateralmente, na área do ombro
(n.º 84). Das outras foram recuperadas duas, decoradas com motivos cruciformes na parte superior.
São peças elaboradas em granito porfiroíde, de origem local. O talhe é muito rudimentar e o
desenho pouco cuidadoso, com excepção de uma das estelas rectangulares. Esta é produzida em
granito mais fino e demonstra um grande conhecimento de geometria por parte do seu autor
(n.º 85). Poderá ser mais recente que o restante conjunto.
3.6. Espólio arqueozoológico
Foram recuperados restos osteológicos de origem animal, em particular de fauna mamalógica.
Trata‑se
essencialmente de espécies domésticas como boi (Bos taurus), carneiro ou borrego
(Ovis aries) e porco (Sus). Deste último destaca‑se
um conjunto de caninos, os quais não foi possível
aferir se correspondem à espécie domesticada (Sus domesticus) ou à selvagem (Sus scropha). Foi
identificada também uma haste de veado (Cervus elaphus), que poderá resultar de uma simples
recolha, visto serem caducas, não sendo resultado óbvio de actividades cinegéticas (Antunes,
2011, pp. 732–736).
sábado, 22 de novembro de 2014 | By: Albicastelhano
sexta-feira, 21 de novembro de 2014 | By: Albicastelhano

Castelo de Castelo Branco (1979–1984 e 2000): síntese dos trabalhos arqueológicos desenvolvidos e principais conclusões IV

3.2. Artefactos metálicos

Este conjunto é, sem dúvida, um dos mais significativos de todo o espólio recolhido. Destaca‑
-se pela sua variedade e pelo seu estado de conservação, que nalguns casos se encontra bastante
valorizado após o seu restauro.
No que diz respeito aos objectos de uso doméstico estão presentes, entre outros, uma anilha
de cabo de vassoura (n.º 52), em ferro e uma pintadeira (n.º 53) em bronze (Boavida, 2009, p. 77).
São designadas nalguns locais como chavões alentejanos e utilizadas para marcar pães e bolos cozidos em fornos comunitários. De acordo com Abel Viana são peças com grande previvência, desde a
Alta Idade Média até à actualidade (Viana, 1961/62, pp. 162–163, figs. 170–172). Recolheram‑se
peças idênticas em diversas localidades alentejanas como Portel (Nolen, 2004, p. 31, n.º 7), Monforte
(Bugalhão, 2004, p. 145, fig. 33), Montemor‑o‑Novo8
e Castelo de Vide9, onde a sua cronologia
se estende desde do século XV ao XVIII.
O grupo mais diversificado é o dos objectos de uso pessoal, que se pode dividir em dois; por
um lado, o dos acessórios de vestuário e por outro o da joalharia, onde se incluem alguns objectos
de carácter religioso. Os últimos foram analisados à época das escavações pelo Cónego Anacleto
Pires Martins10. Trata‑se
de sete medalhas e duas cruzes. As medalhas em liga de cobre, por vezes
com vestígios de revestimento dourado, assumem três formas distintas: oval, octogonal e em
cadena (n.º 54a–54c). Algumas delas (54c), que poderão ser mais tardias, mostram saliências nos
eixos, talvez a evidenciar a sobreposição a uma cruz (Boavida, 2009, pp. 76–77) A temática decorativa
é obviamente de cariz religioso, sendo as imagens mais frequentes as de Nossa Senhora da
Conceição, de São Carlos Barromeu e de São Francisco de Assis. Foram recuperadas peças idênticas
em contextos dos séculos XVI–XVII dos conventos de Santa Clara‑a‑Velha
de Coimbra (Mourão,
2004, pp. 115–132) e de São Francisco de Santarém (Ramalho, 2002, p. 201, n.os 237, 238 e
240), na antiga igreja paroquial da Foz do Douro (Osório, 1993, p. 33) e nos castelos de Alcobaça
(António, 2006, pp. 30–31), Sabugal (Osório, 2008, pp. 171–172, n.os 261–262) e Montemor‑o‑Novo11.
Com datações que vão até à centúria seguinte, são conhecidos vários casos em Lisboa,
como sejam o Convento de Jesus (Cardoso, 2008, p. 281, fig. 29), o Mosteiro de São Vicente de Fora
(Ferreira, 1983, pp. 34–35, figs. 73–76) e a igreja do Convento do Carmo (Ferreira & Neves, 2005,
pp. 604–605, n.os 1633–1641), sendo nos dois últimos a imagem de Nossa Senhora da Conceição
igualmente recorrente.
Uma das cruzes é decorada por motivo vegetalista que define um medalhão central octogonal
com a sigla IHS (n.º 55). Na forma é idêntica a outras duas, uma recolhida em Santarém (Ramalho,
2002, p. 201, n.º 241) e outra em Montemor‑o‑Novo12,
embora essas mostrem Cristo na cruz. São
atribuídas ao período entre os séculos XVI–XVIII. O Cónego Anacleto Martins atribui a outra cruz
a essa última centúria. Trata‑se
de uma peça muito simples que poderá ter integrado um terço (Boavida,
2009, p. 76)
Foi recolhido também um brinco (n.º 57), em liga de cobre, e um anel (n.º 56), possivelmente
em prata. O primeiro é igual a outro colectado em níveis setecentistas de Santa Clara‑a‑Velha
(Mourão,
2004, p. 13, n.º 27), enquanto o anel encontra semelhanças formais com outros, em liga de
cobre, muito mais espessos, recuperados em Penamacor (Boavida, 2006, p. 135, n.º 88), Castelo
Novo (Silvério & Barros, 2005, p. 194, fig. 80.2) e Coimbra (Mourão, 2004, p. 26, n.º 56), cuja datação
aponta para os séculos XVI–XVIII.
Em relação aos acessórios de vestuário, os exemplares mais antigos são dois fechos de cinturão
(n.os 58–59) que encontram afinidades formais, assim como na temática decorativa, noutros recuperados
no Sabugal (Osório, 2008, p. 122, n.º 207) e em Palmela (Fernandes & Santos, 2008, p. 47,
n.º 52), atribuídos dos séculos XII–XIII.
Destacam‑se
também duas fivelas (n.os 61–62), uma de formato liriforme, igual a outras recolhidas
em necrópoles tardo‑medievais
(século XV) de Cuenca (Fernández, 1981, figs. 12 e 17) e
outra, de sapato, mais elaborada que no feitio se assemelha a modelos setecentistas (Orey, 1995,
figs. 106–125).
Dentro deste grupo existe um conjunto de objectos cuja cronologia poderá ser mais bem aferida
recorrendo à iconografia contemporânea, visto que tal como aqui, noutros arqueosítios surgem
muitas vezes fora de contexto. Assim, podem‑se
observar em retratos da autoria de pintores


anglo‑saxónicos
como o do Coronel George K. H. Coussmaker (1782) e de Francis Rawdon Hastings
(1789), ambos de Sir Joshua Reynolds, botões de pé, forrados ou polidos (n.º 60), idênticos aos
encontrados na alcáçova albicastrense, cuja produção de origem inglesa abastecia o mercado português
nos finais de setecentos. Surgem igualmente em retratos da escola americana, como os de
Charles Petit (1792) e do Coronel William Taylor (1790), de Charles Wilson Peale e de Ralph Earl, respectivamente.
As pontas de atilho (n.º 67) têm paralelos em obras como Retrato da Princesa Santa Joana
(mestre desconhecido), Martírio de São Sebastião (Gregório Lopes) ou nos Painéis de São Vicente
(Nuno Gonçalves), datados dos séculos XV–XVI, tendo sido recolhidas em Portel e em Coimbra
em contextos datados dessa mesma cronologia (Nolen, 2004, p. 31, n.º 8; Mourão, 2004, p. 22,
n.º 47).
Em relação aos alfinetes (n.os 63–66), que seriam usados no cabelo ou para segurar toucados e
eventualmente outras peças de vestuário, é mais frequente surgirem em pinturas flamengas como
Portrait of a Lady (1464), Lady wearing a gauze headdress (1445), ambos de Rogier van der Weyden e
também em Portrait of a Woman (1430 ‑
Master of Flémalle), surgindo também na Apresentação do
Menino no Templo, obra de Francisco Henriques, pintor de origem flamenga, radicado em Portugal
na primeira metade do século XVI. Os alfinetes de menor dimensão seriam usados para segurar a
mortalha dos inumados na necrópole da alcáçova albicastrense, como sucederia com os recolhidos
na Igreja de Nossa Senhora da Conceição do Cadaval (Cardoso, 2007, pp. 12–13) e no Convento de
Jesus em Lisboa (Cardoso, 2008, p. 282, fig. 30).
A utilização de sudários é igualmente evidenciada pela forma antropomórfica das sepulturas
escavadas na rocha e pela posição dos membros dos indivíduos aqui enterrados: pés sobrepostos e
mãos colocadas sobre o baixo‑ventre.
Não seria usual a utilização de esquifes, embora pudessem
existir, mas tal seria demasiado dispendioso para a maioria da população. A grande quantidade e
variedade de pregos (n.os 68–74) recolhida seria proveniente de vários elementos de mobiliário e
também de madeiramentos estruturais, o que poderá justificar também a sua diversidade (Boavida,
2009, pp. 78–79).
Foram recuperadas também algumas peças de armamento, como um virote de besta (n.º 75),
semelhante aos recolhidos em contextos datados entre o século XIII e o século XV de Castelo Novo
(Silvério & Barros, 2005, pp. 199, fig. 84, n.º 4), Vilar Maior (Osório, 2008, p. 147, n.º 222), Guarda
e Castelo de Vide (Barroca & Monteiro, 2000, pp. 396, 399, n.os 137, 142). Destaca‑se
igualmente um
conjunto de balas de canhão, colectadas durante os trabalhos de 2000, junto ao possível derrube da
muralha. Uma vez que grande parte da fortaleza foi usada como pedreira, nalgumas partes desmontada
até às suas fundações, a presença de tais peças neste local poderá indicar a reutilização das
mesmas como bolas de pedreira (Boavida, 2009, p. 79) visto serem iguais a outras, provenientes da
pedreira de Montelavar em Sintra, com essa mesma função, que se encontram expostas no Museu
do Canteiro (Almeida, 2005, pp. 17–18).

3.3. Artefactos em azeviche, osso, vidro e cabedal

Na alcáçova albicastrense recolheram‑se
contas em azeviche, osso e vidro (n.os 76–80). Apesar
de poderem ter sido usadas em colares ou pulseiras, o facto de terem sido encontradas peças idênticas
em contextos funerários de Lisboa (Ferreira e Neves, 2005, pp. 607–609, n.os 1657 e 1668), Porto
(Osório, 1993, p. 32), Santarém (Ramalho, 2002, p. 200, n.os 231–234), Coimbra (Mourão, 2004, pp.
21–94, n. os 43, 45, 94, 166, 176–177, 181, 215) e Cadaval (Cardoso, 2007, pp. 38, n. os 5–9, 39,


n. os 3–9), indica que poderiam integrar objectos de carácter religioso, como terços e rosários.
Na maior parte dessas localidades foram recuperadas em níveis atribuídos aos séculos XVI–XVII, ou
até ao final da centúria seguinte. Em azeviche foi também recolhida uma pequena figa, dentro da
mesma cronologia, como sugerem os achados similares nos conventos de São Francisco de Santarém
(Ramalho, 2002, p. 202, n. os 246–247) e de Santa Clara‑a‑Velha
de Coimbra (Mourão, 2004,
pp. 3–4, n.º 6).
Também foram recolhidos anéis em vidro negro (n.º 81), do tipo veneziano, além de alguns
objectos de uso à mesa, nomeadamente contentores de líquidos, em particular um fundo de garrafa,
um pé de cálice e uma asa de caneca. Enquanto os anéis encontram paralelos em níveis dos séculos
XVI–XVII de Santarém (Ramalho, 2002, p. 203, n.os 250 e 252) e de Lisboa (Ferreira, 1983, p. 10,
fig. 16), as restantes peças serão um pouco mais tardias, já das centúrias seguintes (Custódio, 2002,
pp. 336–337, n.os 154–160; Ferreira, 2004, p. 564, figs. 9e–9g).
Destacam‑se
dentro de todo o conjunto em análise diversos vestígios de objectos produzidos
em cabedal, nomeadamente um sapato praticamente completo, do qual se apresenta a sola (n.º 82).
Uma outra sola mostra ainda os restos do fio que a cozia à parte correspondente ao peito do pé. Este
tipo de material encontra‑se
pouco publicado no nosso país, estando os exemplares dados à estampa
datados do século XVII (Cardoso, 2008, p. 281, fig. 27; Nozes, Silva & Miranda, 2007, p. 23).



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domingo, 9 de novembro de 2014 | By: Albicastelhano

Castelo de Castelo Branco (1979–1984 e 2000): síntese dos trabalhos arqueológicos desenvolvidos e principais conclusões III

3. Espólio

Durante os trabalhos arqueológicos decorridos na alcáçova albicastrense (1979/84 e 2000) foi
recolhido numeroso e diversificado conjunto de materiais. Além das usuais cerâmicas (fosca,
vidrada e esmaltada), foram recuperados objectos metálicos, em osso, vidro, azeviche e cabedal,
juntamente com numismas, estelas funerárias e restos de fauna mamalógica.
Pretende‑se
com este trabalho apresentar os dados mais relevantes deste conjunto, que foi analisado
do ponto de vista formal, tendo em conta outros recuperados em diversos arqueosítios do país
já estudados e através de documentação iconográfica contemporânea existente. Esta situação deve‑se
ao facto de nos trabalhos dos anos 80 não terem sido registados todos os dados referentes à estratigrafia
e os materiais recuperados em 2000 resultarem de uma recolha após o desaterro do local.
Independentemente de ter sido utilizado o crivo nos trabalhos dos anos 80, não foi guardado
qualquer fragmento de parede não decorado de cerâmica fosca. O mesmo sucedeu com grande
parte das cerâmicas vidradas e esmaltadas.

3.1. Cerâmica

Apesar da peça mais antiga analisada ser um bico fundeiro de uma variante de Almagro 51c
(n.º 1), cuja datação poderá oscilar entre os séculos III–IV, não foram identificados quaisquer outros
materiais desde essa cronologia até ao período correspondente à Reconquista Cristã. Dessa época
destacam‑se
duas peças (n.os 2–3) cuja decoração a engobe branco encontra semelhanças na de
outras recuperadas em níveis tardios almóadas de Lisboa (Gomes & alli, 2001, p. 140, n.º 25) e Santarém
(Viegas e Arruda, 1999, p. 121, fig. 8). Foram identificados paralelos para panelas, de bordo
alto, pouco introvertido ou espessado exteriormente (n.os 4–6), também em contextos daquela
cidade ribatejana (Viegas & Arruda, 1999, p. 152, fig. 11, n.os 8 e 11; Mendes, Pimenta & Valongo,
2002, p. 272, Est. 4.15; Trindade & Diogo, 2003, p. 149, fig. 5, n.os 7, 8 e 10), tal como de Torres
Vedras (Cardoso & Luna, 2002, p. 10, fig. 7) e do Cadaval (Cardoso, 2007, p. 36, fig. 21.7). Estes dois
últimos exemplos correspondem a contextos associados a comunidades moçárabes.
Em grande quantidade foram encontrados contentores de líquidos, como o caso de um bordo
de cântaro (n.º 9) idêntico a outros recolhidos em contextos almóadas tardios de Silves (Gomes &
Gomes, 2001, p. 95, n.º 124) e de Santarém (Mendes, Pimenta & Valongo, 2002, p. 269, Est. 2.8;
Trindade & Diogo, 2003, p. 150, fig. 6.26). Existem do mesmo modo fragmentos de grandes talhas
(n.º 10), por vezes decorados com cordões plásticos digitados. São peças que encontram afinidade
em outras exumadas na região, como os exemplares de Castelo Novo (Silvério & Barros, 2005,
p. 165, fig. 59) ou Penamacor (Silvério, Barros & Teixeira, 2004, p. 523, fig. 26).





A partir dos finais do século XV, mas principalmente ao longo do XVI, verifica‑se,
na loiça de
mesa, uma maior presença de taças e pratos, embora apresentem então um menor diâmetro, numa
clara individualização do uso das peças, como medida profilática. É o caso das taças (n.os 27–28) e
dos pratos (n.os 29–30), normalmente brunidos no interior. Ambas as formas mostram similaridade
com outras recuperadas em Penamacor (Boavida, 2006, pp. 73, 83, n.os 9, 24–25), mas também em
Castelo Novo, no caso das taças (Silvério & Barros, 2005, p. 122, fig. 35) e em Évora, no dos pratos
(Teichner, 1998, p. 28, fig. 12.7). Surgem igualmente os púcaros de beber, com paredes finas, por
vezes com as superfícies decoradas em relevo ou simplesmente brunidas (n.os 31–33), idênticos aos
encontrados em Lisboa (Ramalho & Folgado, 2002; Gomes & Gomes, 2007, pp. 78, 85, figs. 4–5;
Santos, 2008; Etchevarne & Sardinha, 2007), Cascais (Cardoso & Rodrigues, 2002, Est. 4 e 6) e Santarém
(Folgado e Ramalho, 2000).
Dentro das loiças de cozinha predominam as panelas. Uma vez que não subsiste nenhum
exemplar com o perfil completo, só é possível definir tipologias através do perfil dos bordos (subtriangulares,
sub‑rectangulares
e semicirculares; n.os 11–13), embora essas ligeiras variações possam
ser apenas reflexo do gosto dos oleiros ao levantarem as peças na roda. Datadas dos séculos
XV–XVI, foram identificadas formas similares a estas em Castelo Novo (Silvério & Barros, 2005,
pp. 151 e 153, figs. 50–51), Penamacor (Silvério, Barros & Teixeira, 2004, p. 529, fig. 21) e em diversos
locais da região de Lisboa (Gaspar & Amaro, 1997, p. 342, Est. 5.6; Diogo & Trindade, 2000,
p. 231, fig. 10, n.º 53; Trindade & Diogo, 2001, p. 203, n.º 1; Cabral, Cardoso & Encarnação, 2009,
p. 238, n.os 25–26; Gonçalves & Amaro, 2002, p. 483, fig. II.2). Foram recuperados também uma
frigideira e um tacho (n.os 15–16). A primeira é idêntica a outra igualmente recuperada em Castelo
Novo (Silvério & Barros, 2005, p. 116, fig. 31), enquanto o último é parecido a outros recolhidos
em Almada (Sabrosa & Espírito Santo, 1992, p. 7, fig. 9; Sabrosa, 1994, p. 42, n.º 17), Lisboa (Gaspar
& Amaro, 1997, p. 345, Est. 8.4), Loures (Silva & Deus, 1999, p. 43, fig. 7, n.os 25–26) e Palmela
(Fernandes & Carvalho, 1997, p. 231, fig. 11).
No que diz respeito às peças de armazenamento e/ou transporte de líquidos a situação
mantém‑se,
apesar de o número de bilhas aumentar. Verifica‑se
uma grande diversidade ao nível
dos bordos destas (n.os 17–18). Do ponto de vista da conservação de alimentos sólidos a situação
altera‑se
totalmente, uma vez que as talhas desaparecem, dando exclusivamente lugar aos potes.
Tal facto pode dever‑se
a uma utilização mais frequente do celeiro da Ordem de Cristo entretanto
construído na parte baixa da vila (Boavida, 2009, p. 61). Um dos potes (n.º 21) mostra bordo
como os encontrados em níveis dos séculos XVI–XVII de Almada (Sabrosa & Espírito Santo,
1992, p. 9, n.º 2) e Cascais (Cabral, Cardoso & Encarnação, 2009, p. 237, n.º 18). Foram recolhidas
diversas formas de tampas e testos, algumas delas com pitorra ou espessamento exterior do
bordo (n.os 25–26), idênticas a outras identificadas em contextos quinhentistas de Almada
(Sabrosa & Espírito Santo, 1992, pp. 6, 9, n.os 3 e 19; Sabrosa & Santos, 1993, p. 177, n.os 10–11;
Sabrosa, 1994, p. 40, n.os 1 e 4), Cascais (Cardoso & Rodrigues, 1991, p. 584, prancha 4, n.º 47;
Cardoso & Rodrigues, 1999, p. 199, n.os 2 a 5), Palmela (Fernandes & Carvalho, 1997, p. 287, figs.
11–13), Silves (Gomes, Gomes & Cardoso, 1996, p. 41, fig. 7, n.º 15) e Castelo Novo (Silvério &
Barros, 2005, p. 173, fig. 65).
Cerca de três quartos do espólio analisado foi exposto a cozeduras oxidantes, tendo a maioria
do remanescente sido alvo de cozedura parcialmente oxidante. Estas peças mostram pastas de tons
vermelhos, laranjas e castanhos, produzidas a partir de barros vermelhos. Aquelas são normalmente
homogéneas, com elementos não plásticos de grão fino a médio, onde se destacam o feldspato, o
quartzo hialino e o leitoso, a biotite e a moscovite, sendo a hematite, a calcite, o calcário, os nódulos
de barro e outros tipos de quartzo muito residuais.

Embora em número reduzido e muito fragmentado, o grupo das peças esmaltadas e/ou vidradas,
abrange uma alargada baliza cronológica que se estende desde o século XIV aos meados do
século XIX. Este é constituído, essencialmente, por taças e pratos esmaltados a branco estanhífero,
que nalguns casos mostram decoração a azul de cobalto, por vezes combinado com negro ou roxo
de manganês. Algumas dessas peças são evidência das trocas comerciais existentes ao nível transfronteiriço,
como as que apresentam bandas concêntricas a azul ou intercaladas a roxo (n.os 44 e 46),
típicas das produções sevilhanas e valencianas dos séculos XV–XVI e idênticas às encontradas em
Silves (Gomes & Gomes, 1996, p. 173, fig. 26), no Funchal (Gomes & Gomes, 1998, p. 339, fig. 17),
em Penamacor (Boavida, 2006, p. 119, n.os 69–70) e em Cascais (Cabral, Cardoso & Encarnação,
2009, p. 208). Da mesma época, ou um pouco mais tardias, serão as esmaltadas a branco, que poderão
ser também, nalguns casos de proveniência castelhana (n.os 34–36 e 41–42).
No final do século XVI, mas principalmente no século XVII, com o aumento da produção de
faiança portuguesa, surgem motivos decorativos como as espirais, os aranhões ou as contas, entre
outros (n.os 37–40, 45 e 47), que poderão ou não combinar óxidos de cobalto e manganês. São
peças que surgem em contextos desse período, até aos meados do século XVIII, eventualmente até
ao XIX, em Vila Viçosa (Nolen, 2004, p. 30, n.º 3), Palmela (Fernandes & Carvalho, 1998, p. 254,
n.º 198), Sortelha (Osório, 2008, p. 175, n.º 275), Porto (Real & alii, 1995, p. 184, fig. 14), Cadaval
(Cardoso, 2009, pp. 58, 60, figs. 39 e 45) e Vialonga (Lopes, 1998, p. 332, n.º 5). Dessa última centúria
também foram exumados restos de peças de produção nacional, em particular das fábricas
Lusitânia e Sacavém.
Na cerâmica vidrada, muito escassa, destaca‑se
um bordo de alguidar vidrado a verde plumbífero
(n.º 51). É uma forma comum desde os séculos XV–XVI praticamente até à actualidade.
Existe ainda um pequeno conjunto de restos de cerâmica de revestimento, do qual fazem
parte diversos fragmentos de azulejos de padrão, esmaltados a branco e decorados a azul de
cobalto e amarelo de antimónio (n.os 49–50). O padrão identificado (P‑482),
de acordo com Santos
Simões, será do século XVIII (Simões, 1971, p. 83). Foi também recolhido um fragmento de
um azulejo de aresta (n.º 48), tipo hispano‑árabe,
provavelmente produzido em Sevilha por volta
do século XVI, semelhante aos recuperados em Torres Vedras (Luna & Cardoso, 2006, p. 105,
n.º 22), em Cascais (Cabral, Cardoso & Encarnação, 2009, p. 215) e na Sortelha (Osório, 2008,
p. 168, n.º 251).
Estas cerâmicas esmaltadas e vidradas apresentam pastas de tom bege, rosa ou branco, salvo
raras excepções, obtidas da mistura de barro branco com pequenas percentagens de barro vermelho,
uma vez que o óxido de ferro presente neste último dá maior resistência às peças durante a sua cozedura,
neste caso, maioritariamente oxidante. São pastas muito homogéneas e depuradas, com elementos
não plásticos de grão fino a muito fino, nalguns casos quase imperceptíveis, em particular
nas peças que se considera serem importadas.